quarta-feira, março 02, 2005

Os 30 degraus

Caem, junto ao frio nórdico e por vez das chuvas, 30 dias sobre a tua morte.

Pois é, mãe, este tem sido um tempo de pressas, de atropelos e tropelias, um tempo de férias forjadas.
Só à noite sossego, quando te peço o copo de água do costume. Baixinho, não vá alguém acordar-me. E reparar eu que tu já aqui não estás, à minha cabeceira, a matar-me esta sede irrequieta de ser.

Entretanto faço de conta que foste de viagem e aproveito a vida como uma criança travessa: escapo-me ao recolher obrigatório do princípio do escuro, a trazer alinhadas as roupas e arrumada a pasta, a lavar os dentes, a fazer os trabalhos de casa e a tomar (-sentada, menina, sentada!) o café com leite e a bendita torrada.

Faz 30 dias que não páro, mãe, de te procurar. Pelos cantos onde ficou, pendida, a tua parca roupa (que eu, às escondidas, cheiro como uma louca), nas almas que me oferecem ideias - ainda que vagas, ainda que discretas - de qualquer uma das tuas facetas, num frenesim de sentidos que me diga como foi que soubeste de tão pouca vida retirar tanta alegria.

Faço-o, mãe, com medo de acertar, um destes dias (obra do azar!), naquela conta de te subtrair. Aquela que diariamente me obrigaste a treinar: a nunca mentir.
Maldito raciocínio cru que me exporá ao mundo, que me porá a nu, que não te trará de volta a corrigir todos os meus erros e a mimá-los, numa invenção de infância que parecia nunca mais vir a ter fim.

30 dias depois de ti, vejo a terra intacta e sei que vou ter, estupidamente, de crescer.

Sozinha é agora a única companhia que tenho de mim.

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