quarta-feira, dezembro 08, 2004

Vigílias

"Nos dias de hoje ou nos tempos antigos
Não preciso de menos que todos os meus amigos"



Ontem a morte apresentou-se como hipótese provável. Descompôs o porte discreto da hipótese remota e, é claro, denunciou com alarvidade a elegante transparência da certeza absoluta. A morte só por hipótese - e sobretudo provável - não mata nunca directa nem absolutamente, mas vai fazendo os seus estragos. Hoje foi dia de varrer estilhaços.
Ontem, todos os meus amigos estiveram comigo de guarda à vida. Uns trouxeram corpo, outros palavras, alguns apresentaram-se abstractamente. Mas todos compuseram, no seu registo próprio, o melhor do momento, a mais perfeita mentira.
Sabemos, de um longo laço cristalino, que neste ritual, para esta litania, só um único erro nos é interdito, esse sim, mortal: o egoísmo em forma de neurastenia.
Recebi depois, nesta manhã seguinte, múltiplas chamadas. Foi gentil. Tomei nota. Obrigada. Desculpem-me as visitas não ter atendido, mas foi só porque estava morta por causa de uma hipótese provável (que me bateu ontem à porta) de alguém poder ter morrido. Estava errada.
Digam ao Ruy Belo que a casa sobreviveu, que a minha mãe voltou, que está tudo vivo. Digam-lhe só isto, porque, em bom rigor, nada mais aconteceu. Pelo menos comigo.

1 Comentários:

Blogger J disse...

Sobreviver, sobrevivemos, até à proxima, até um dia irrefutável e definitivo. O carteiro, pois. Dormir até tarde rouba sempre uma parte do dia, é como uma opa falhada sobre a noite que há de vir. Fiquemos em roda, à volta de uma fogueira de afectos, atentos á nossa dança de sombras. E não se arranja por aí uma lanterna? Talvez um candeeiro de petróleo, daqueles antepassados, que desmaiavam à meia-noite, hora fatal, sucumbindo ao peso das sombras. Não, bom bom era mesmo uma lanterna imune e plástica, daqueles em que escrever é defeito de fabrico.

11:00 da manhã  

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