Saramagueando contigo
Se a nossa fosse uma história de Saramago este seria o tempo da passagem em que o narrador diria assim:
"Tertuliano nunca duvidara que aquela mensagem de desistência acabaria por chegar e com ela o vislumbre do princípio do fim de uma relação que tinha sobrevivido apenas pela resistência de Maria da Paz ao seu sinuoso silêncio.. mas dessa resistência vinha também esta morte como se ela contivesse num só grito toda a loucura toda a espera sem sentido toda a ilusão sem propósito todo o descaminho dos afectos.O que em breve Tertuliana viria a constatar seria portanto tão só o corolário da equação que ele próprio montara. A Maria da Paz dar-lhe-ia essa última benção que consiste em acreditarmos que somos autores do que decidimos e enquanto muda de canal considera a sua própria mestria ele que não passa de um discreto professor de História no fundo não mais do que um secretário dos grandes homens mortos deste mundo. Tertuliano deixa-se dormitar e um sonho inquieta-o no sofá: Maria da Paz diante dele a dizer-lhe o quanto lastima a vida assim tão redutora se para tal lhes bastava a morte, a lamentar a paleta de cores a que parecia corresponder a gama infinita da decisão dos homens resumida nem ao preto e branco mas a uma velha manta recortada de cinzentos, marés de indecisões, de não ditos, de segredos, de murmúrios. Nos cinzas há vermelhos - responde-lhe Tertuliano no sonho - fímbrias de azul, de amarelo...ou de se não exactamente estas, cores parecidas porque era sonho e escusava a precisão técnica e com isto pretendia ele dar tão só voz ao seu silêncio e direcção às suas vacilâncias, sendo que Maria da Paz no sonho se aquieta ainda por lá anda em tempo anterior à sua mensagem. Certo é Tertuliano acordar, recordar esboços do que sonhou e falar sozinho como se a mulher ainda o pudesse ouvir: previ tudo, estava preparado para tudo. Porque haverias de ter tido a liberdade, a veleidade de improvisar? Agora Tertuliano sente um profundo cansaço e uma indescritível impotência. Naturalmente vai guardar para si ambas e recolher rapidamente porque afinal ele é antes de tudo um cavalheiro e depois um dedicado servidor do Estado que se quer recomposto a cada novo dia para bem servir a nação essa sim diferentemente dos amores até mesmo dos seus digna de confiança e imorredoura. "
Se ocultei faceta ou ângulo foi apenas, como bem o poria Tertuliano, porque o podemos ir fazendo ajustado ao tempo e aqui falamos do tempo de Maria da Paz que o há-de vir a ter reajustado a si própria, convenientemente, e com ele refará toda esta nossa história, dito de outro modo, este capítulo da sua história.
"Tertuliano nunca duvidara que aquela mensagem de desistência acabaria por chegar e com ela o vislumbre do princípio do fim de uma relação que tinha sobrevivido apenas pela resistência de Maria da Paz ao seu sinuoso silêncio.. mas dessa resistência vinha também esta morte como se ela contivesse num só grito toda a loucura toda a espera sem sentido toda a ilusão sem propósito todo o descaminho dos afectos.O que em breve Tertuliana viria a constatar seria portanto tão só o corolário da equação que ele próprio montara. A Maria da Paz dar-lhe-ia essa última benção que consiste em acreditarmos que somos autores do que decidimos e enquanto muda de canal considera a sua própria mestria ele que não passa de um discreto professor de História no fundo não mais do que um secretário dos grandes homens mortos deste mundo. Tertuliano deixa-se dormitar e um sonho inquieta-o no sofá: Maria da Paz diante dele a dizer-lhe o quanto lastima a vida assim tão redutora se para tal lhes bastava a morte, a lamentar a paleta de cores a que parecia corresponder a gama infinita da decisão dos homens resumida nem ao preto e branco mas a uma velha manta recortada de cinzentos, marés de indecisões, de não ditos, de segredos, de murmúrios. Nos cinzas há vermelhos - responde-lhe Tertuliano no sonho - fímbrias de azul, de amarelo...ou de se não exactamente estas, cores parecidas porque era sonho e escusava a precisão técnica e com isto pretendia ele dar tão só voz ao seu silêncio e direcção às suas vacilâncias, sendo que Maria da Paz no sonho se aquieta ainda por lá anda em tempo anterior à sua mensagem. Certo é Tertuliano acordar, recordar esboços do que sonhou e falar sozinho como se a mulher ainda o pudesse ouvir: previ tudo, estava preparado para tudo. Porque haverias de ter tido a liberdade, a veleidade de improvisar? Agora Tertuliano sente um profundo cansaço e uma indescritível impotência. Naturalmente vai guardar para si ambas e recolher rapidamente porque afinal ele é antes de tudo um cavalheiro e depois um dedicado servidor do Estado que se quer recomposto a cada novo dia para bem servir a nação essa sim diferentemente dos amores até mesmo dos seus digna de confiança e imorredoura. "
Se ocultei faceta ou ângulo foi apenas, como bem o poria Tertuliano, porque o podemos ir fazendo ajustado ao tempo e aqui falamos do tempo de Maria da Paz que o há-de vir a ter reajustado a si própria, convenientemente, e com ele refará toda esta nossa história, dito de outro modo, este capítulo da sua história.