quarta-feira, março 02, 2005

Art&manha de Crescer

Se um menino tiver nos olhos os pais
Dois domingos de Páscoa dois Natais
E suas ceias
Dois mafarricos dois santos
Duas famílias inteiras
Duas histórias de espantos
(duas giras duas feias)
Dois medos por dois motivos
E os dois mimos respectivos
- dois umbigos -
Duas línguas dois impérios
Dois sarilhos muito sérios
O dos dentes e o da fala
E o do aprende o que cala
E o que diz
Dois critérios
Duas cidades de férias (uma pode ser Paris)
Dois mistérios
Dois bichinhos de estimar
(A outra cidade é o mar?)
Um de seda e um de contas
(Outro para sempre nas montras...)
Dois heróis para decidir
Sem uma hipótese sequer
De chorar ou de tossir
De gaguejar e fugir
Ou de pedir

Bolachinhas d'entreter
Se um menino tiver

Se tiver mesmo de ser
Mais vale o Homem-Aranha
(digo-to eu por te querer)
Que é preciso arte e manha
Para crescer!

The Right Side of the Moon

Gosto de estar sentada na vida

como na última carteira da sala de aulas.



Por favor, não me chamem ao quadro,
não me exponham ao palco!



Daqui, de longe, sinto-me no lugar certo


para receber o vosso conhecimento e à exacta distância


para captar vislumbres de sabedoria.

Os 30 degraus

Caem, junto ao frio nórdico e por vez das chuvas, 30 dias sobre a tua morte.

Pois é, mãe, este tem sido um tempo de pressas, de atropelos e tropelias, um tempo de férias forjadas.
Só à noite sossego, quando te peço o copo de água do costume. Baixinho, não vá alguém acordar-me. E reparar eu que tu já aqui não estás, à minha cabeceira, a matar-me esta sede irrequieta de ser.

Entretanto faço de conta que foste de viagem e aproveito a vida como uma criança travessa: escapo-me ao recolher obrigatório do princípio do escuro, a trazer alinhadas as roupas e arrumada a pasta, a lavar os dentes, a fazer os trabalhos de casa e a tomar (-sentada, menina, sentada!) o café com leite e a bendita torrada.

Faz 30 dias que não páro, mãe, de te procurar. Pelos cantos onde ficou, pendida, a tua parca roupa (que eu, às escondidas, cheiro como uma louca), nas almas que me oferecem ideias - ainda que vagas, ainda que discretas - de qualquer uma das tuas facetas, num frenesim de sentidos que me diga como foi que soubeste de tão pouca vida retirar tanta alegria.

Faço-o, mãe, com medo de acertar, um destes dias (obra do azar!), naquela conta de te subtrair. Aquela que diariamente me obrigaste a treinar: a nunca mentir.
Maldito raciocínio cru que me exporá ao mundo, que me porá a nu, que não te trará de volta a corrigir todos os meus erros e a mimá-los, numa invenção de infância que parecia nunca mais vir a ter fim.

30 dias depois de ti, vejo a terra intacta e sei que vou ter, estupidamente, de crescer.

Sozinha é agora a única companhia que tenho de mim.

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