quinta-feira, fevereiro 24, 2005

Encontrei estas pérolas num vão de escada. E roubei-as.

"Não estou para pilhérias. Falsas interpretações, enganos. Seduções de vão de escada. Tropeções. Além da chuva, o que me interessa são as ideias claras, as desilusões a descoberto, uma carta topográfica do fundo do mar.

Não estou para pilhérias, desgasto-me com o quotidiano de táxi, leva, traz, fecha, paga. Desfazer a tenda. Assentar pouca bagagem num autocarro sem destino fixo, apenas a promessa de avarias na estrada.

Miserável não confiar no dia a dia, na ombreira da porta. Miserável duvidar da palavra dita ao ouvido. Surdo. Mudo.
Merda de silêncio confrangido." TOM

quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Habla con Ella


Não trago ultimamente comigo senão uma alegria alérgica, palavras úteis e um nome. O teu.
O mesmo quê no dê de todos os dias. Reduzido a uma pitada de sobressaltos, sensações compactadas e recorrentes, assim vai o meu pensamento. A lado nenhum.



Estou rarefeita. Sou pano e pele.


Tenho uma teimosia a corroer-me todo o meu campo de hipóteses alternativas. Como térmita em madeira, fungo em pé, filoxera em vinha.



Por favor, extraiam-me de mim!

Renúncia Pascal

Madrugada de Lisboa como as de Bruxelas. Do tempo em que viajava.
Insónias de quarto de hotel.
Estou cedo demais na paisagem.
Corta-se o fiambre e conta-se o pão nas pastelarias.
O primeiro café bebe-se como o primeiro beijo: de um sorvo.
A conversa fica por conta das máquinas que os homens ainda mal sussurram. Não vá o sol acordar antes da hora e pôr-nos em fuga.
Ainda cheira a banhos e a lixívia.
Cruzei-me com o sem-abrigo do L. Vuitton. Como há muito não. Um cobertor dos pés à cabeça: embrulho de morto e de sobrevivente.
Outro dia vi-o, homus erectus. Estranhei: um ser como outro qualquer, o sem-abrigo do Louis. Ultrapassa-se.
Haviam de estender-se pela avenida como um tapete mal esticado, mudar o sono para o turno de dia, fazer-nos tropeçar. Uma evidência calamitosa requer um valente rasteira.
Esta timidez, esta mudez, este recolher obrigatório alinhado pelos big ben das metrópoles rouba-lhes a visibilidade, a notícia. Só mesmo nos natais.

Que digo eu?
Que lhes exijo, se é nesse afundamento de alma que o tecto se perde?

Outro café e eu mudo de assunto. Já que não posso mudar de mundo.

terça-feira, fevereiro 22, 2005

Amizade, esta estranha impressão

As raparigas vieram de vários pontos da terra. Todas tinham o seu quê de misterioso (bizarro mesmo, em alguns casos). Não as escolhi, fui escolhida. Depois julgo que, de um modo ou outro, as pus à prova. Não daquela tradicional maneira que nos leva a saber se é sincero o sentimento ou se procura apenas uma oportunidade ínvia.
Preferi deixá-las ao sol. Para ver se preservavam a frescura dos primeiros dias. E aconteceu que sim.
Hoje, elas vão comigo para todo o lado. Algumas são morenas e silenciosas e assim permanecem até que caia completamente a noite e os homens as tomem por certas. Outras, loiras, compõem um certo alarido nas imediações, mas sei-as igualmente circunspectas: é do som que retiram o refúgio, criam a falsa ideia da entrega. Exactamente.
Todas procuram. Mesmo as ruivas. As mais complexas, porque apresentam um carácter de facetas metereológicas instáveis e uma funesta preferência pela experimentação.
Não sei como poderia, hoje, compôr, fosse o que fosse, sem as sentir por perto. Não sobreviveria à compostura do dia-a-dia sem a amizade, esta estranha impressão.


PS. Faço notar que a cor com que as pinto é interior, pelo que vendo-as o leitor, não descobriria quem é quem ou como.